«Barata?», atende, intrigado, o taxista a meio da viagem. «Ah, João! Desculpa, não estava a ver! Como estás?». Seguem-se as primeiras palavras que ouvi ao severo motorista desde o «bom dia» de quando cheguei à praça e me pegou na mala. Depois de uma tarde a fazer conversa no cabeleireiro, o silêncio do taxista - coisa tão contra-natura no seu ofício - estava quase a incomodar-me. Avenidas fora, rumo a Santa Apolónia, só uma reportagem interminável da TSF sobre alfarrabistas de Coimbra enchia o carro de som, até ao telefonema do tal Barata. João. Queria saber como estava este nosso amigo, da última vez achara-o muito «em baixo». «Fui-me um bocado abaixo, fui», confirma o taxista, sempre parco em palavras. «Só hoje voltei ao trabalho». Percebi que algo de mauzito lhe teria acontecido mas o pudor de comentá-lo frente a um cliente falou mais alto. «Estou num serviço, sim», corroborou (justificou?) mais uma vez, antes da despedida afável com um «prazer em ouvir-te!» e desejos de feliz natal.
Antes, uma das empregadas mais amorosas do meu «café do costume» tomara o pequeno-almoço na mesa ao lado da minha sem dar pela minha presença, olhos rasos de lágrimas e gestos nervosos a comprometer a segurança do prato da torradinha. Com vergonha de inquirir o que se passava, limitei-me a desejar-lhe boas festas.
Chegada à estação, entre os pombos sujos e o cheiro a croissants, alguns sem-abrigos e dementes de vária ordem montavam o seu teatrinho. Um falava para o ar, mas parecia tanto que se dirigia a mim que um homem fardado me veio perguntar se estava tudo bem. Anuí, mas mesmo assim o segurança foi dar duas palavras ao palavroso homem. Quando troquei a sala de espera pelo comboio, arrastando a mala prenha de prendas, ainda o ouvi balbuciar, entre outros dizeres incompreensíveis: «os padres deviam ser castrados!» e «quantas pessoas não comeram à custa da igreja».
(Dezembro 2010)
(Dezembro 2010)
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